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e por outra que não disse, nem porventura soube, mas podemos suspeitá-la e imprimir. Estava
ali o ventre abençoado que gerara os dous gêmeos. De instinto, achava nela algo particular.
Quanto ao influxo que exercia nela, por essa ou qualquer outra causa, não a sabia Natividade;
contentava-se em ver que, ainda agora, e em tal crise, Flora não perdeu a amizade que lhe
tinha. Passavam as horas juntas, falando, se não fazia mal falar, ou então uma com as mãos da
outra entre as suas. Quando Flora adormecia, Natividade ficava a contemplá-la, com o rosto
pálido, os olhos fundos, as mãos quentes, mas sem perder a graça dos dias da saúde. As outras
entravam no quarto, pé ante pé, esticavam os pescoços para vê-la dormir, falavam por gestos
ou tão baixo que só o coração as adivinharia.
Quando pareceu melhorar, Flora pediu um pouco mais de luz e de céu. Uma das duas janelas
foi então escancarada, e aenferma encheu-se de vida e riso. Não é que a Febre se fosse de
todo. Essa bruxa lívida estava ao canto do quarto, com os olhos espetados nela mas, ou de
cansada, ou por obrigação imposta, cochilava a miúdo, e longamente. Então a enferma sentia
só o calor do Mal, que o médico graduava em trinta e nove ou trinta e nove e meio, depois de
consultar o termômetro. A Febre, ao ver esse gesto, ria sem escandalo, ria para si.
CAPÍTULO CVI / AMBOS QUAIS?
Ficamos no ontto em que uma das janelas do quarto aumentou a dose de luz e de céu que
Flora pediu, sem embargo da febre, aliás pouca. O mais que se passou valia a pena de um
livro. Não foi logo, logo, gastou longas horas e alguns dias. Houve tempo bastante para que
entre a vida e Flora se fizesse a reconciliação ou a despedida. Uma e outra podiam ser
extensas; também podiam ser curtas. Conheci um homem que adoeceu velho, se não de velho,
e despendeu no rompimento fmal um tempo quase infinito. Já pedia a morte, mas quando via
o rosto descarnado da derradeira amiga espiar da porta entreaberta, voltava o seu para outro
lado e engrolava uma cantiga da infancia, para enganá-la e viver.
Flora não recorria a tais cantigas, aliás tão próximas. Quando via o céu e um pedaço de sol no
muro, deleitava-se naturalmente, e uma vez quis desenhar, mas não lho consentiram. Se a
morte a espiava da porta, tinha um calefrio, é verdade, e fechava os olhos. Ao abri-los fitava a
triste figura, sem lhe fugir nem chamar por ela.
Você amanhã está pronta, e de hoje a oito dias, ou antes, vamos para Petrópolis, disse
Natividade disfarçando as lágrimas, mas a voz fazia o ofício dos olhos.
Petrópolis? suspirou a doente.
Lá terá muito que desenhar.
Eram sete horas da manhã. Na véspera, quando os gêmeos saíram de lá, já tarde, os receios da
morte cresciam; mas não bastam receios, é preciso que a realidade venha atrás deles; daí as
esperanças. Também não bastam esperanças, a realidade é sempre urgente. A madrugada
trouxe algum sossego; às sete horas, depois daquelas palavras de Natividade, Flora pôde dorm
ir.
Quando Pedro e Paulo voltaram a Andaraí, a enferma estava acordada, e o médico, sem dar
grandes esperanças, mandou fazer aplicações, que declarou enérgicas. Todos tinham sinais de
lágrimas. De noite, Aires apareceu trazendo notícias de agitação na cidade.
Que é?
Não sei, uns falam de manifestações ao Marechal Deodoro, outros de conspiração
contra o Marechal Floriano. Há alguma cousa.
Natividade pediu aos filhos que se não metessem em barulhos; ambos prometeram e
cumpriram. Ao ver o aspecto de algumas ruas, grupos, patrulhas, armas, duas metralhadoras,
Itamarati iluminado, tiveram a curiosidade de saber o que houve e havia; vaga sugestão, que
não durou dous minutos. Correram a meter-se em casa, e a dormir mal a noite. Na manhã
seguinte os criados levaram os jornais com as notícias da véspera.
Veio algum recado de Andaraí? perguntou um.
Não, senhor.
Ainda quiseram ler, por alto, alguma cousa. Não puderam; estavam ansiosos de sair de casa e
saber notícias da noite. Posto levassem os jornais consigo, não leram claramente nem
seguidamente. Viram nomes de pessoas presas, um decreto, movimento de gente e de tropas,
tão confuso tudo, que deram por si na casa de D. Rita, antes de entender o que houvera. Flora
ainda vivia.
Mamãe, a senhora está mais triste hoje que estes dias.
Não fales tanto, minha filha, acudiu D. Cláudia. Triste estou sempre que adoeces. Fica
boa e verás.
Fica, fica boa, interveio Natividade. Eu, em moça, tive uma doença igual que me
prostrou por duas semanas, até que me levantei, quando já ninguém esperava.
Então já não esperam que me levante?
Natividade quis rir da conclusão tão pronta, com o fim de a animar. A doente fechou os olhos,
abriu-os daí a pouco, e pediu que vissem se estava com febre. Viram; tinha, tinha muita.
Abram-me a janela toda.
Não sei se fará bem, ponderou D. Rita.
Mal não faz, disse Natividade.
E foi abrir, não toda, mas metade da janela. Flora, posto que já mui caída, fez esforço e
voltou-se para o lado da luz. Nessa posição ficou sem dar de si; os olhos, a princípio vagos,
entraram a parar, até que ficaram fixos. A gente entrava no quarto devagar, e abafando os
passos, trazendo recados e levando-os; fora, espreitavam o médico.
Demora-se; já devia cá estar, dizia Batista.
Pedro era médico, propôs-se a ir ver a enferma; Paulo, não podendo entrar também, ponderou
que seria desagradável ao médico assistente; além disso, faltava-lhe prática. Um e outro
queriam assistir ao passamento de Flora, se tinha de vir. A mãe, que os ouviu, saiu à sala, e,
sabendo o que era, respondeu negativamente. Não podiam entrar; era melhor que fossem
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